É sempre delicado associar performance art com fetichismo. Muito embora a relação meio que salte aos olhos, não só do público leigo, mas até da galera das próprias artes do corpo (da qual, inclusive, tenho lugar de fala pra afirmar). Não que alguém vá admitir numa vernissage, muito menos nas justificativas de um edital, mas entre quatro paredes, depois de uma ou duas garrafas de vinho, muita coisa pode vir a tona, nem que seja só pra negar depois, com medo do cancelamento de seus próprios pares. Que época mais reacionária essa, onde nem mesmo artistas e progressistas conseguem mais se dar conta do quão adoecedor é equivaler palavras como "sexualização" e "abuso" de forma tão automática e absoluta. No site oficial do Grupo EmpreZa, onde podemos encontrar os vídeos completos e maiores informações sobre a performance SeHão, fala-se muito em "interferência na paisagem", em "alegoria do vínculo" e no "peso do sujeito com a alteridade", mas o que eu não consigo deixar de ver (e nem quero) é o quanto a técnica utilizada para unir as duplas de performers com ataduras cirúrgicas nos remete diretamente ao cast fetish. Não é intencional e estou "sexualizando"? Pode ser, mas seguirei resistindo a tomar essa palavra como negativa a priori. Há um erotismo inerente à essa fusão voluntária de corpos que se dão a ver no espaço urbano, impondo sua presença num mundo que se recusa, pateticamente, a quebrar a rotina por conta dela. Uma visão intrusiva, simultaneamente excitante e inocente, que evoca um nível de intimidade (física e carnal) que é quase sobre humano, especialmente numa sociedade tão intoxicada pelo individualismo. Esperar que não haja uma apropriação de natureza igualmente visceral e física, ou, mais ainda, condena-la por princípio, me parece quase uma arapuca semiótica. Apropriemo-nos, então, sem culpa, com imagens e vídeos que destacam, em particular, a união das performers, pois o olhar tem suas prerrogativas e não pode evitar de se deixar roubar por aquilo que lhe toma de assalto.
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